quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"É preciso descrever a realidade, mais cruel do que o pior dos pesadelos."

Por: Anabela Melão


Publico o excerto do "Diário de Dona Amélia de Orleães e Bragança", no qual a Rainha lamenta o desaparecimento trágico de S.M. o Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe. É, essencialmente, o retrato da dor de uma mãe. É assim que o vejo e é, igualmente, assim, que peço que o leiam. 

"Lisboa, Palácio das Necessidades, Sábado, 1 de Fevereiro de 1908 
Escrever. Escrever para não gritar. Para não perder a razão - sim, para não perder a razão. Para expulsar, por um instante que seja, as terríveis imagens deste dia, e suportar o longo horror desta noite, a primeira de todas as que estão para vir. 
Escrevo para mim. Escrevo para não enlouquecer, (...) mas a rainha de Portugal não se entrega à loucura. Ela cumpre o seu dever, ou morre como morreu hoje o rei de Portugal, D. Carlos I, como morreu hoje o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, como ela própria deveria ter morrido sob as balas dos assassinos. 
Meu Deus, porque permitiste que matassem o meu filho? Protegi-o com todo o meu corpo, expus-me aos tiros, quis desesperadamente que eles me trespassassem a mim. E bastou uma única bala para destruir o rosto do meu filho. (...) 
A dor cobriu tudo. Esvaziou-me o Espírito. As recordações desapareceram, estou incapaz de chorar. Inerte. (...) 
Preciso de continuar a escrever até que o dia rompa, em vez de deixar que os pesadelos me invadam num sono inquieto. É preciso descrever a realidade, mais cruel do que o pior dos pesadelos."

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