sábado, 7 de janeiro de 2017

Morreu Mário Soares



Morreu hoje Mário Soares, aos 92 anos de idade. O histórico do PS estava internado no Hospital da Cruz Vermelha desde o dia 13 de dezembro de 2016.

   
O antigo primeiro-ministro, Presidente da República e um dos fundadores do PS morreu aos 92 anos. Para trás ficam mais de nove décadas de vida de uma figura que marcará, indelevelmente, a história do século XX português.
Nascido a 7 de dezembro de 1924 em Lisboa, licenciou-se na Universidade de Lisboa, primeiro em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1951, e mais tarde em Direito, em 1957. O seu percurso académico, no entanto, foi sendo construído paralelamente a um interesse político que lhe valeu desde cedo a atenção da polícia do regime salazarista.
Em 1958 integrou a comissão de candidatura à presidência de Humberto Delgado, o ‘General Sem Medo’ que abalou o regime. Por 12 vezes foi detido pela PIDE, cumprindo no total cerca de três anos de cadeia. Estava preso quando, em 1949, casou por procuração com Maria Barroso.
Em 1968, novamente preso, foi deportado sem direito a julgamento para São Tomé. Cerca de dois anos depois, já com Marcello Caetano à frente do Estado Novo, foi autorizado a continuar o seu exílio em França.
Foi de lá que apanhou o famoso ‘comboio da Liberdade’ que o trouxe a Lisboa, três dias depois do 25 de Abril de 1974. Era com fervor mas no meio da dúvida que a democracia portuguesa daria os seus primeiros passos.
Dois dias mais tarde, Soares juntava-se à multidão que esperou o regresso de outro homem que o Estado Novo perseguiu. Falamos de Álvaro Cunhal, líder histórico do PCP. Nesse dia, as divergências políticas ficaram de parte. “Permitam-me que me volte para Álvaro Cunhal e o saúde como um grande resistente”, disse Soares à multidão. Os aplausos davam ritmo ao momento. Naquele dia, o país viu-os juntos, de braços dados, em ambiente de celebração de fim da ditadura. Foi uma imagem que não mais se iria repetir.
Em novembro de 1975, os dois gigantes da política portuguesa protagonizavam um debate que figurará em qualquer compêndio da história de Portugal de então. Foi na RTP, em moldes que hoje pareceriam impossíveis: durante quase quatro horas Cunhal e Soares expuseram divergências, deixando até um curioso momento para o imaginário da política portuguesa, com Soares a sugerir que o PCP preparava nova ditadura, ao que Cunhal respondeu com um curioso “Olhe que não, olhe que não”.
O fundador do PS, que chegou a passar pelo PCP no tempo da ditadura de Salazar, ia começando a deixar a sua marca neste novo Portugal democrático. Foi por duas vezes primeiro-ministro, protagonizando, inclusive, um inédito governo central com o apoio do PSD de Mota Pinto.
"Soares é fixe"
Em 1986 o país prepara-se para eleições presidenciais. Na primeira volta, Freitas do Amaral surge em vantagem. Conquista 46,31% dos votos. Mário Soares surge em segundo lugar, com 25,43% dos votos.
Soares já tinha provado ser capaz de vencer eleições. Mas a história da política é feita não só de preparação mas também de acasos e circunstâncias. Naquele ano, a caminho da segunda volta, tudo funcionou a seu favor, à medida que o slogan “Soares é fixe” foi ganhando força.
O acaso foi uma agressão na Marinha Grande que animou a campanha e que acabou por reforçar o apoio a Soares. Mais decisivo ainda terá sido o ‘sapo’ (a tal circunstância) que o PCP engoliu para evitar a vitória de Freitas do Amaral, então candidato da Direita. O apoio dos comunistas foi essencial. Freitas do Amaral conseguiu 48,82% dos votos à segunda volta. Soares chegou aos 51,18% e tornou-se Presidente.
O presidente viajante
Na Presidência, Soares terá vivido os seus tempos de maior popularidade. Visitou os mais diversos países como representante português, mas foi no seu segundo mandato, com viagens por Portugal, que cravou a sua marca política de então.
As suas Presidenciais Abertas incomodaram um primeiro-ministro Cavaco Silva que via em Mário Soares uma das “forças de bloqueio” do seu Governo. Anos antes de se defrontarem em eleições, era já claro que os dois políticos habitavam bancadas opostas.
Em 1999, Mário Soares juntava mais uma função ao seu percurso político tornando-se eurodeputado, cargo que manteve até 2004. Pela idade, por tudo o que já tinha feito, adivinhava-se o fim da sua carreira política. Assim foi, pelo menos por momentos.
"Basta" e até breve
Aos 80 anos, a antiga FIL encheu-se para um jantar de despedida. Ali estavam representantes dos mais diversos quadrantes da política e sociedade portuguesas. Foi perante eles e as câmaras que Soares declarou: “Basta”. Era o ponto final na sua carreira política. As notícias do seu fim, no entanto, foram precipitadas.
Menos de um ano depois, o “basta” caía e dava lugar a nova luta política, uma que viria a ser a sua última e uma das mais mal sucedidas. Aos 81 anos, Mário Soares avançava para uma terceira candidatura presidencial. Contava com o apoio de José Sócrates, então primeiro-ministro e líder do PS, um amigo que visitaria na cadeia anos depois.
Estamos em 2006, ano de presidenciais e os resultados ficam muito aquém dos do próprio Soares nas suas lutas políticas dos anos 80 e 90. Mário Soares é terceiro numa eleição que garante a vitória à primeira volta de Cavaco Silva. Conquista 14,31% dos votos, números bem longe não só da vitória esmagadora de Cavaco mas também dos de Manuel Alegre, que concorreu sem o apoio do PS, conseguindo ainda assim 20,74% dos votos.
Se o seu “basta” fora precipitado, o momento agora era claro: não mais Mário Soares se voltaria a candidatar. Ainda assim, entre crónicas no Diário de Notícias e aparições públicas, Soares chegou aos 90 anos continuando a ser uma voz ativa na política portuguesa. Os tempos de troika e austeridade parecem tê-lo até espicaçado. E como em tantas vezes no passado, Cavaco Silva era um dos seus principais alvos.
Em tempos membro da maçonaria, que abandonou quando achou que os rituais e o secretismo a tornavam “demodé”, Soares tornou-se uma figura cada vez mais polarizadora com o passar dos anos, tantas vezes criticado à Direita e à Esquerda.
Pai de Isabel e João Soares, Mário Soares ficou viúvo em julho de 2015. O funeral e as homenagens à companheira de uma vida foram das últimas vezes que o vimos em público.
Foi longa a caminhada de Soares, com as suas impaciências (“oh senhor guarda, desapareça”, zangou-se certa vez com um agente em 1993) e a sua vontade de expressar opinião nos mais diversos momentos da vida política portuguesa.
Foi também cheia, desde a luta contra a ditadura de Salazar até aos tempos da democracia. Para trás, fica um legado que a história avaliará ao sabor dos tempos e das ideologias. Certo é que não o esquecerá.
«NM»

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