domingo, 26 de junho de 2016

A apropriação dos heróis

Por: Arnaldo
Vasques

Como uma apropriação aos heróis do nosso mundo rural, assistimos neste mês de junho, em Alpiarça, ao lançamento de mais uma obra de investigação integrada nos Cadernos Culturais. “A Praça de Jorna em Alpiarça, a saga do trabalho e da dignidade”, de Ricardo Hipólito, com prefácio de Dulce Freire, uma viagem detalhada ao mundo do campesinato nos campos do Ribatejo e do Alentejo. Para este fim, ajudaram os relatos dos mais velhos e nisso, antes que esses registos se apagassem de vez, teve o autor trabalho aturado por vários anos de pesquisa e recolha. Luta e resistência, organização e destemor perante os patrões e o sistema, e a insistente violência de um regime policial e fascista, que prendia, torturava e assassinava, de tudo isto se falou naquela tarde soalheira e emoldurada de gente. Precisamente no local onde o jovem trabalhador rural, Alfredo Lima, foi baleado por um praça da GNR, era comandante do posto de Alpiarça o sargento Pires, justamente ali teve lugar a cerimónia. Assinalou-se a desdita com um ramo de flores na placa que imortalizará o largo com o nome de Alfredo Lima. Momentos antes, ouvíramos as palavras emocionadas da irmã, Maria José Lima, enquanto ofertava ao Partido Comunista local a camisola guardada por tantos anos, onde “avultavam os dois orifícios das balas assassinas”. Mais gente, que entregou as suas vidas em prol das lutas campesinas, veio a lume: Soeiro Pereira Gomes foi relembrado. Escondendo-se onde pôde, albergou-o uma família de Pernes, os Vieira, num moinho de vento a caminho de Vaqueiros (abraço ao Óscar Vieira, amigo do Liceu!). Veio-me à memória, também de Pernes, o destemido “Diabo”, quando despejou um garrafão de água poluída do Alviela, frente ao ministério no Terreiro do Paço. Outro herói adiantado no tempo! Apropriamo-nos dos heróis como natureza sagrada: nascem das crenças e dos mitos, determinam estados de opinião e modos de ação determinada. Como pão para a boca, apropriamo-nos dos heróis pensando exorcizar a nossa passagem pela Terra!?…

«In O Ribatejo»

Sem comentários:

Enviar um comentário